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HOMENAGEM À JULIO DE CASTILHOS

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sábado, 6 de junho de 2009

ao Mestre Mozart Pereira Soares

Por Alcy Cheuiche

Na terra vermelha de Palmeira das Missões nasceu um dos homens mais preciosos que o Brasil possuía. E nela repousa agora, depois de encantar a terra em noventa e um anos de vida. O conhecimento individual, na era das especializações, é cada vez mais limitado. Vai longe o tempo em que um único ser humano era depositário de extensões imensas de sabedoria. Temos que recuar mais de dois milênios para encontrar o modelo de Mozart Pereira Soares. Aristóteles, que foi capaz de entender o funcionamento do organismo humano, dos animais e das plantas, e de especular sobre a origem e o destino de todos os seres vivos, despertou naquele jovem estudante de Medicina Veterinária a ânsia do conhecimento universal. E quando, no ano de 1954, defendeu sua tese de Doutorado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, parece que defendia também o direito de recuar no tempo para enxergar mais longe e melhor. Concepções Anatômicas e Fisiológicas de Aristóteles recebeu nota máxima da banca examinadora e revelou ao meio acadêmico brasileiro uma nova estrela das ciências médicas. Antes disso, como conta em sua trilogia A Restauração da Manhã, composta dos livros de memórias Pastoral Missio- neira, Tempo de Piá e Meu Verde Morro, o menino Mozart teve que vencer a pobreza, que Saint-Exupéry considerava o maior de todos os obstáculos para o sucesso humano. Descrita por ele mesmo em palavras simples: Ainda vim a conhecer o galpão velho em que nasci, mal arrimado em seis esteios cambembes, rodeado de costaneiras de pinho, cheio de frinchas por onde o vento miava. Na névoa dessas lembranças surge o meu pai, que eu via de bigode ruivo, carão vermelho e peito suado, trabalhando, criando as coisas que se espalhavam à roda de nós, sobre a terra. A mesma terra vermelha que está amontoada ao lado do buraco cavado à pá, onde pediu para ser colocado o seu corpo sem vida. No lugar onde nasceu, no dia 29 de março de 1915, vai repousar o Mestre que nos deixou no dia 11 de dezembro de 2006. Plantado no campo como uma das muitas árvores que cultivou. No meio ambiente despido de poluição que conservou como ecologista, um dos pioneiros dessa militância ao lado de José Lutzenberger. Próximo a uma escola agrícola, outra de suas paixões, o túmulo será vizinho do pinheiro de trezentos anos, que ele apresentava com orgulho aos visitantes, e da casa que foi seu refúgio, onde será construída uma biblioteca para abrigar os milhares de livros que ele leu e guardou. Um túmulo pastoral, digno de um sábio. Onde cada manhã será res- taurada pelo perfume da brisa e o canto dos sabiás. Mozart Pereira Soares, que aprendeu a ler nos jornais que vendia nas ruas de Palmeira das Missões, tem hoje na cidade missioneira um magnífico Centro Cultural com o seu nome. Cientista e artista conhecido e admirado em todo o país, nos deixa duas cadeiras vagas: uma na Academia Brasileira de Medicina Veterinária, com sede no Rio de Janeiro, e outra na Academia Rio-Grandense de Letras, em Porto Alegre. Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul conquistou dois diplomas de graduação: o de Médico-Veterinário, em 1943, e o de Advogado, em 1986, aos 71 anos de idade. Nesse meio tempo, como Professor Catedrático de Anatomia e Fisiologia dos Animais Domésticos, deixou sua marca em milhares de alunos, foi Diretor da Faculdade de Agronomia e Veterinária, Membro do Conselho Universitário e Reitor pro tempore da mesma Universidade que o iria destacar, em 1999 com o título de Professor Emérito. Na Universidade de Santa Maria, indicado pelo Prêmio Nobel Bernardo Houssay, de quem tinha sido aluno em Buenos Aires, foi o primeiro Professor de Fisiologia da Faculdade de Medicina, uma façanha digna de um veterinário de notório saber. Saber idêntico iluminava o homem de letras, detentor de muitas distinções literárias, como a Medalha Simões Lopes Neto, escritor que conhecia a fundo e sobre o qual nos deixou um ensaio magnífico: Aspectos sensoriais em Lendas do Sul. Erico Verissimo, que nasceu na cidade vizinha de Cruz Alta, escolheu Mozart Pereira Soares para prefaciar a mais famosa de suas obras, O Tempo e o Vento. Ivan Lins elogiou seus livros em prosa e verso, o identificando como possuidor de uma daquelas almas sonoras, a que se referia Eça de Queiroz, nas quais vibra, em resumo, toda a vida que as cerca. O livro/poema que escreveu sobre o Papa João XXIII, Adaga Flor, é obra de referência ética e estética. Erva Cancheada revelou ao Rio Grande do Sul e ao Brasil o belo folclore dos ervateiros, dos artífices do chimarrão. E para quem quiser conhecer um esboço abrangente de toda a obra escrita do nosso Mestre, recomendo o livro de Antonio Hohlfeldt, Saber Universitário com Gosto Campeiro que tive a honra de prefaciar na primavera de 1997: De tanto ver triunfarem as nulidades, como dizia Ruy, muitos até duvidam que existam ainda hoje seres humanos enciclopédicos como Mozart Pereira Soares. Intelectuais famintos de saber que conheçam e dissertem com a mesma profundidade sobre a história dos homens, a vida dos animais, o cultivo das plantas, a idade das pedras e a pureza das águas. Aqui perto deste túmulo campeiro, junto ao qual acabo de dizer algumas palavras de despedida, está aquela nascente onde Mozart bebia com as mãos em concha, desde a mais remota infância. Um lugar mágico onde ele levou a esposa Terezinha Beltrão Soares, seu primeiro e único amor, a beber com ele em muitos e muitos anos de vida, e onde chorou sua morte em janeiro de 2004. O olho d’água que é o ponto de partida, como dizia Emil Ludwig, dos seres humanos e dos rios. Algumas dessas nascentes somem debaixo da terra depois de alguns poucos passos, outras se transformam apenas em poços ou pequenas lagoas. Raras são as que formam rios capazes de chegarem ao oceano. Como esta de Mozart Pereira Soares, um ser humano que atingiu as maiores profundidades sem deixar de ser sempre límpido e cristalino. Um cérebro poderoso a serviço do bem.

6 comentários:

  1. Alcy Cheuiche,

    Parabéns pela bela homenagem e gostaria de externar que este traço de "ser humano que atingiu as maiores profundidades sem deixar de ser sempre límpido e cristalino", muito orgulhava uma prima sua nascida em Porto Alegre, a catedrática de Direito a Professora Notelina Pereira Grigol.

    Receba o nosso abraço,


    Marcello Pereira Grigol


    http://www.linkedin.com/in/marcellogrigol

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  2. Tenho muito orgulho dessa pessoa que foi Mozart Pereira Soares,estou temtando conseguir informações sobre ele e sua familia,pois sou descendente de um primo dele Osvaldo Pereira Soares,e alguns anos atras soube por um tio meu que ele estaria fazendo uma pesquiza sobre a familia Pereira Soares e gostaria muito de saber um pouco mais sobre isso,se alguem puder me ajudar,agradeço muito sou de Palmeira das Missões,me chamo Cristiane Soares dos Santos,meu email é cris24soares@gmail.com.Obrigada

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  3. Emocionante homenagem ao Prof. Mozart, que é como nós o chamávamos no Metrópole Xadrez Clube. Além de todas as qualidades morais e culturais relatadas, o Prof. Mozart era também um exímio enxadrista. Me lembro com carinho das conversas que tínhamos em volta daqueles tabuleiros, conversas informais que eram verdadeiras aulas.

    Arthur Aveline

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    1. moro hoje no apartamento dele av. venancio aires 495, ap 71 herdei as estantes e hoje faço um trabalho a respeito da leitura de nietzsche acerca do Positivismo.

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    2. Meu Pai, Moysés Westphalen foi guardião do Templo Positivista por longos anos, antes do Professor Mozart , que foi depois substituído pelo Sr. Afrânio Capelli que aparece na foto.

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  4. É necessário urgentemente que o meio acadêmico e literário conheça mais e mais sobre este brasileiro exemplo de trabalho e intelectualidade.
    http://protestapoeta.blogspot.com.br/2015/07/mozart-pereira-soares-exemplo-de.html

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