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quarta-feira, 17 de abril de 2013
Um positivista ortodoxo
Escrito por Gabriel Guidotti
Quinta, 11 de Abril de 2013 - 16:22
Nas manhãs de domingo, na Avenida João Pessoa, em Porto Alegre, um simpático senhor de barba branca rompe o lacre do cadeado e abre as portas daquele que é o último reduto gaúcho de uma doutrina criada pelo filósofo francês August Comte, o Positivismo. Vestindo um terno suntuoso e uma cartola imponente, como se ainda nos encontrássemos em um passado não tão distante, o Sr. Afrânio Capelli oferece sua história como um brinde àqueles que vivem suas vidas em torno de um ideal.
Nas escadas que levam pórtico de entrada do Templo, Capelli é analítico. Em cada degrau há uma palavra escrita que dirige à religião. A subida, portanto, é escalonada em princípios do Positivismo. A cada domingo, impreterivelmente, Afrânio Capelli, abre as portas do Templo, esperando por pessoas que desejam conhecer mais sobre sua doutrina. Aos 82 anos, compila suas atividades de confrade com o ramo industrial, de onde tira seu sustento. Para a manutenção do Templo, não aceita doações externas. Tudo é mantido por ele e seus companheiros.
Durante sua explanação, fala com emoção e orgulho do Positivismo. Quando inquirido por um visitante se a religião é uma disciplina reacionária, muda seu perfil simpático para um jeito austero que antecede a resposta. Levanta-se de sua bem trabalhada cadeira de madeira e conta que impingiram na cabeça das pessoas a ideia de um Positivismo tirânico, argumentando que foi sim um governo exigente e forte, mas jamais reacionário. Como positivista ortodoxo, defende ferrenhamente os traços da religião, acentuando as dificuldades impostas por ela. “Ser um positivista ortodoxo é quase impossível. Ela exige de seus confrades uma conduta ética que é quase impossível. Mas eu não prego a doutrina religiosa positivista, eu prego o conhecimento sociológico”.
A palestra, entretanto, é interrompida por um barulho que vem do lado de fora. Em ritmo de brincadeiras infantis, os gritos histéricos de algumas crianças desviam a atenção do guardião. Por alguns segundos, cerra as palavras, esperando que o barulho termine. Não termina. Capelli busca, então, se socorrer de seu assessor, o Sr. Érlon, para intervir junto aos pequenos. Na retomada de seu raciocínio, é novamente interrompido por um som alto de rock n´ roll gospel. Tenta continuar, mas o foco de sua mente se dirige à casa ao lado, visível através de uma janela lateral do Templo. A igreja evangélica também estava em sessão. Um grupo de jovens comemorava, através da música, seus valores religiosos. Capelli levanta-se de sua cadeira e retira-se da sala por alguns momentos. Misteriosamente, o som se acaba. Em seu retorno, afirma: “Religião é aquilo que você se concentra para meditar, raciocinar; essa música não é religião, é carnaval”.
Na medida em que debate problemas sociais, dá o recado aos jovens: “qualifiquem-se e façam aquilo que vocês gostam. Se você faz o que você gosta, não é trabalho”. Nesse contexto, define sua infância como a de um menino muito pobre, cujo primeiro sapato decente foi concedido no exército. Mais tarde, visto a falta de oportunidades, estudou “feito um louco”, adentrando o SENAI da Rua Sertório. “Tive a felicidade de, nessa escola, encontrar um professor positivista. Foi ele que me incentivou. Eu o carrego na memória até hoje”. Ao falar de seu antigo mestre, lágrimas sinceras correm por seus olhos. A emoção forte o faz ter um mal estar momentâneo, necessitando de um copo d’água. A saudade é sentida por todos no salão.
Entre explicações históricas, visões políticas ou, simplesmente, interrupções não previstas, Afrânio Capelli encerra sua palestra convidando as pessoas a visitarem as outras localidades do Templo. Despede-se perguntando se há alguma pergunta da plateia. Poucos se manifestam, mas são prontamente atendidos. Os visitantes são conduzidos para o lado de fora onde o Sr. Érlon explica o significado de cada degrau da entrada. Sozinho, Afrânio Capelli permanece no limite do pórtico, apenas observando as pessoas, exibindo uma cara de satisfação. Mais um dia de trabalho bem feito. Uma manhã onde um novo grupo recebeu os mesmos ensinamentos que ele aprendeu com seu falecido professor. Relapso em pensamentos, entra novamente no Templo e lá permanece, como permaneceu durante grande parte de sua vida.
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